Mês: <span>Setembro 2018</span>

Adição na Família… (A)normal disfuncionalidade

A adição a álcool e drogas é uma doença crónica tratável e a sua recuperação é um “assunto” de Família.

Durante os períodos que podemos apelidar de adição ativa, pautados pelo consumo abusivo e continuado das substâncias psicoativas, o adicto é considerado “o problema”. Quando este mostra disponibilidade para se envolver em qualquer tipo de intervenção terapêutica, procurando um caminho para a abstinência e uma nova forma de vida, a família em seu redor agarra esta possibilidade com fervor. Investe-se tempo pessoal, recursos financeiros psicológicos, motivacionais, numa tentativa para que o nosso familiar se restabeleça. Paralelamente a este processo parece sempre minimizar-se, de um modo notório mas objetivamente incompreensível, a devastação que a própria família sofreu com a adição ativa.   

Para o adicto a recuperação significa uma vida nova. Significa confrontar-se consigo mesmo. Significa aceitar-se como um ser humano com valor, sem álcool e drogas. Significa responsabilizar-se profundamente por si mesmo; aprender a reger-se por um reconstruído quadro de valores e reformular padrões comportamentais minados pela toxicidade auto-destrutiva das substâncias. Este caminho exige coragem e a ajuda da sua família, mas a realidade é que esta precisa, ela própria, de ajuda, pois sofreu as consequências da dependência tal como o adicto. E real é também a sua possibilidade de se “tratar” e readquirir um estilo de vida saudável, mesmo que o “seu” adicto não consiga ele próprio entrar em recuperação.

Este é um processo complexo. Todas as mudanças implicam profundos reajustamentos e normalmente os familiares não antecipam a necessidade de eles próprios precisarem de mudar, e de terem ajuda para tal. A forma como se organizaram, na maioria dos casos durante anos, em torno do problema, habituando-se e sobrevivendo, “normalizou” uma disfuncionalidade permanente na forma de viver, de pensar, de sentir, de agir.

Para um adicto, entrar em recuperação, assumir o objetivo da abstinência e um consequente novo estilo de vida, implica assumir uma série de perdas. As próprias substâncias, amigos e locais de consumo, rotinas diárias e padrões comportamentais ritualizados são apenas algumas destas perdas mais óbvias. Compreensivelmente, pensa-se no imediato que perder uma série de coisas más e geradoras de sofrimento não causará nenhum impacto. Mas não é assim. Mesmo a perda da dor, se falamos de uma dor habitual, implica reajustar-se. Veja pequenos mas notórios exemplos de como reagimos à mudança. Vive-se num apartamento numa qualquer esquina de cidade onde o ruído das pessoas e do trânsito faz parte do dia a dia. Não se descansa muito bem, mas dorme-se. Procura-se umas férias no campo, buscando calma, e descobre-se que, nas primeiras noites, não se consegue dormir, estranhando o silêncio ou os barulhos da Natureza. O crescimento e saída de casa dos filhos. À satisfação e alívio de os ver iniciar uma nova etapa das suas vidas pode contrapor-se uma profunda tristeza causada pela separação. A situação de reforma, olhada antecipadamente como uma recompensa por uma vida de trabalho, que por vezes leva as pessoas a descobrirem não estar preparadas para a perda das suas ocupações diárias, deprimindo-se e desorganizando-se num dia a dia agora sentido como “vazio”. É deste tipo de reação à perda que falamos.  

Nestes exemplos, tal como na família de um adicto, pode estar a dar-se a perda de um peso negativo, mas também de um foco importante e que se tornou estrutural na vida familiar. E, por isso, apesar de “ilógicos”, estes sentimentos de perda e alguma desorganização são muito reais e naturais, com uma consequente necessidade de reajustamento. A adição tornou-se uma parte tão central da vida da família que, quando se começa a desvanecer, e a desejada mudança e remissão de alguns sintomas da doença começa a acontecer, algo parece faltar ao seu funcionamento “normal”. Olhe-se, questione-se, procure ajuda para si, enquanto familiar que sofre, enquanto pessoa que merece e pode viver para além das dinâmicas e dramas reais da adição.

Susana Cerqueira  

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